O fundo-preto, caro leitor, é o que está ali na Figura 1. Entre os tomates ali presentes, há um que apresenta um fundo que é de cor preta. Isso é que é, em termos morfológicos, um fundo-preto. Ora, leitor, como o tomate adquire esta cor preta na sua extremidade distal (referida também como extremidade apical)? É sobre isso que este artigo versará nos próximos parágrafos.
O fundo-preto do tomate é provocado por um desbalanço entre fotossintatos (trazidos, em maior quantidade, do floema) e o cálcio (que, vindo do xilema, chega ao fruto em baixas concentrações). Mas como este desbalanço afeta o crescimento do fruto no tomateiro? O enunciado anterior não deixa isso muito claro! Se não se argumenta muito bem a frase acima, fica parecendo que este artigo é mais um, entre aqueles mil artigos, que descrevem eventos fisiológicos de maneira simplória. Se fosse para reiterar o senso comum, o Blogue Redigiragro não teria sido criado. Portanto, neste artigo, há de se esmiuçar molecular, bioquímica e fisiologicamente cada uma das etapas que leva ao aparecimento desta desordem fisiológica no tomate. Sem mais delongas, leitor, vamos a cada uma destas minúcias!
O cálcio, na medida em que se aproxima da extremidade distal do fruto em desenvolvimento, o seu teor vai diminuindo vertiginosamente, devido a ocorrência, nesta região do fruto, de vasos xilemáticos rarefeitos e muito estreitos. Concomitantemente a isso, o volume vacuolar das células da extremidade distal do fruto aumenta, e as giberelinas superexpressam (e acionam), no tonoplasto, as bombas Ca-ATPases, transportadores cuja função é transportar cálcio para dentro do vacúolo, em antiporte com um próton. E, assim, a pequena fração de cálcio que havia conseguido adentrar as células dos frutos é então aprisionada no interior dos vacúolos, pelas Ca-ATPases.
Como pode notar, caro leitor, cada um dos fenômenos mencionados anteriormente culmina, à sua maneira, em um menor suprimento de cálcio para o citosol e para o apoplasto do fruto. E associado a isso, o tomateiro mostra-se incapaz de autorregular este desbalanço, que se estabelece não só entre cálcio e fotossintatos, mas também entre cálcio e outros processos fisiológicos do tomateiro. A prova disso é que mesmo o fruto apresentando baixas concentrações de cálcio em suas células, a auxina continua fervorosamente a sinalizar a acidificação do apoplasto. E é aí onde mora o perigo, leitor! Porque esta acidificação do apoplasto vai sinalizar a ativação das expansinas, das endoglicosidases e das endotransglicosilases, enzimas estas que vão clivar ligações que tencionavam as microfibrilas de celulose (e outros polissacarídeos), fazendo com que a parede celular perca a sua tenacidade, estropiando-se e gerando um fruto cuja extremidade distal esteja amolecida (Figura 2). Este amolecimento da parede celular é famigeradamente conhecido como afrouxamento da parece celular. E ele ocorre na expectativa de que o citosol receba uma pressão hidrostática (isto é, um turgor celular) que expanda a membrana plasmática e, por extensão, também a parede celular. E de fato isto ocorre, leitor!
Só que, leitor, você ainda deve estar lembrado, lá do início do parágrafo anterior, que não há cálcio suficiente para o adequado desenvolvimento do fruto, não é isso? Esta falta de cálcio é que compromete a união entre os fosfolipídios da membrana plasmática e entre as pectinas da parede celular, não sendo possível, portanto, paralisar o afrouxamento da parede celular que antes permitira a expansão (ou o crescimento) celular. E por isso mesmo bingo: ocorre um excessivo alongamento celular, o qual induz alta permeabilidade celular, que resulta no colapso das células epidérmicas da extremidade distal do fruto. Em outras palavras: o excessivo alongamento celular provoca o extravasamento do conteúdo celular (em direção ao apoplasto) e a morte celular, o que, em termos morfológicos, revela-se como uma mancha preta, o fundo-preto, na extremidade distal do tomate (Figura 1). Mas como esse sintoma, da deficiência de cálcio, evolui na lavoura?
Na lavoura, o fundo-preto manifesta-se primariamente como um discreto descoramento da extremidade distal do fruto em desenvolvimento, evidenciando uma lesão encharcada (Figura 2) – que apresenta em seu bojo rompimentos da membrana plasmática, do tonoplasto e do retículo endoplasmático, bem como paredes celulares onduladas e plastídios inchados. Com a sua evolução, esta lesão encharcada torna-se, primeiro, mais amarronzada que o tecido circunvizinho (Figura 3); depois, com a desintegração e desidratação do tecido do fruto, origina-se uma lesão marrom-escura deprimida na superfície do fruto (Figura 1), dentro da qual a membrana plasmática está separada da parede celular. E presumo, caro leitor, repito que apenas presumo que talvez tenha saído daí a expressão “fundo-preto”.
Ciente do envolvimento do cálcio na formação do fundo-preto, este Blogue – ao contrário da literatura vigente, que recomenda fontes sintéticas de cálcio, tais como o cloreto de cálcio (FILGUEIRA, F., 2013) –, sugere o uso da casca-de-ovo para o controle do fundo-preto, pois o Brasil vem produzindo cada vez mais ovos, gerando cada vez mais resíduos na forma de casca-de-ovo. Por exemplo, em 2021, produziu 58 milhões de toneladas de ovos, que geraram aproximadamente 6,4 milhões de toneladas de casca-de-ovo (FAO, 2023).
Como preparar a casca de ovo para o controle do fundo-preto? Para isso, clique no vídeo abaixo!
Literatura
FAO. (2023). Food and Agriculture Organization of the United Nations. https://www.fao.org/faostat/en/#home
Filgueira, F. Novo manual de olericultura: agrotecnologia moderna na produção e comercialização de hortaliças (3 ed.). Editora UFV, Viçosa, MG, Brasil, 418p, 2013.
Ho, L., Belda, R., Brown, M., Andrews, J., & Adams, P. (1993). Uptake and transport of calcium and the possible causes of blossom-end rot in tomato. Journal of Experimental Botany, 44 (2), 509-518. DOI: https://doi.org/https://doi.org/10.1093/jxb/44.2.509
Ho, L., Belda, R., Brown, M., Andrews, J., & Adams, P. (1993). Uptake and transport of calcium and the possible causes of blossom-end rot in tomato. Journal of Experimental Botany, 44 (2), 509-518. DOI: https://doi.org/https://doi.org/10.1093/jxb/44.2.509
HO, L. Improving tomato fruit quality by cultivation. Genetic and environmental manipulation of horticultural crops, 1998.
MAYNARD, D. N.; BARHAM, W. S.; MCCOMBS, C. The effect of calcium nutrition of tomatoes as related to the incidence and severity of blossom-end rot. 1957.
SUZUKI, K.; TAKEDA, H.; EGAWA, Y. Morphological aspect of blossom-end rot fruits of tomato. XXV International Horticultural Congress, Part 1: Culture Techniques with Special Emphasis on Environmental Implications- 511, 2000. p.257-264.
VERGARA, C. .; ARAUJO, K. E. C. .; SANTOS, A. P. .; OLIVEIRA, F. F. de; SILVA, G. de S.; MIRANDA, N. de O.; BARRETO, E. de S. .; SILVA, I. K. da .; MEDEIROS, J. F. de. Use of crushed eggshell to control tomato blossom-end rot. Research, Society and Development, [S. l.], v. 13, n. 5, p. e2213545667, 2024. DOI: 10.33448/rsd-v13i5.45667.
Citação
VERGARA. C. Fundo-Preto do Tomate: sua formação e seu controle com casca-de-ovo. Redigiragro (https://redigiragro.vivaldi.net), 2024.